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A caixa de recordações

março 28, 2007

Encontro meio ao acaso, sem querer. Dentro de um pedaço amarelado de papel, que um dia já foi algo parecido com uma carta, meio sem brilho, envelhecida.

Foi a primeira, não seria a última.

Tinha 13 anos. Ela, 12. Era inverno e ela, que havia chegado no bairro nas férias de meio de ano, tomava o ônibus duas paradas depois de mim. Com seus cabelos de fios ondulados castanho-claro, presos meio que de qualquer jeito, magra como toda garota de 12 anos deveria ser e metida dentro de seu agasalho verde-vagabundo, subia os degraus me procurando, correndo seus olhos tímidos e talvez tristes por toda a lotação, até me achar.
Eu percebia, claro, mas bobo que era (não que tenha mudado por completo, mas dez anos nos ensinam muitas coisas), sorria apenas. Sorria e a encarava durante quase todos os 15 minutos do trajeto. Por vezes, ela desviava. Por outras, olhava de volta. E então puxava a cigarra e desaparecia em meio à nuvem de estudantes barulhentos.
No ponto seguinte, descia eu. Eu e a nuvem de estudantes barulhentos que estudavam na mesma escola que eu, dois quarteirões após a dela.

Foi assim por mais de uma semana, acho. Mas então um dia, um lugar vago ao meu lado, e ela o ocupou. Sem sorrisos ou encaradas, apenas nós dois, lado-a-lado, olhares congelados em direção a algum lugar que não sabíamos bem onde era, mas parecia ficar há dois palmos à frente de nossos olhos, embora não enxergássemos.
O que eu faço? O que eu falo? O que eu penso?
Nada. Por dúvida, nada. Foi assim desde sempre.
Antes de descer porém, ela, mais esperta que eu, deixou sobre minha perna um pedaço de papel. Olhei rápido para ela, que beijou meu rosto, corou e desceu. Não sem ser alvo de risadinhas e piadas de toda aquela barulhenta turma entre 11 e 14 anos.

O que dizia exatamente não fazia qualquer diferença. Menos de cinco horas depois estávamos numa pequena rua ao lado da escola em que ela estudava. Trocávamos meia dúzia de palavras, corávamos e experimentávamos beijos desajeitados e sarros desengonçados.
No dia seguinte, fomos novamente sentados lado-a-lado. Ela me trouxe uma fotografia, ela na proa de uma barca, olhos apertados por causa do sol, o mar ao fundo. Gostei e guardei.

Aquilo tudo durou uma eternidade: três semanas. Ônibus de segunda à sexta, saída da escola dia sim, dia não. Então ela resolveu que gostava de um garoto da minha rua, não de mim. Ele, um meio babaca e ano mais velho que, vez por outra, tomava a mesma lotação que nós, uma parada antes da minha. Alguns dias depois, era por ele que ela procurava, correndo seus olhos tímidos e talvez tristes por toda a lotação, até achar.
Passei a ir para a escola um pouco mais tarde, e, no alto do orgulho ferido, julguei ter dado o troco certo quando, em pouco tempo, passei a sair com uma menina da sala dela, uma baixinha bem arrumada, de cabelos pretos e lisos, que tinha em seus olhos puxados o maior dos seus charmes.

Isso tudo foi há muito tempo. Depois a vida correu: outras escolas, outros ônibus, não-mais-escolas, garotas novas no bairro e todas as coisas do tipo. Quebrei a cara por dezenas de vezes. E ela também. E as outras também.
Dela, por fim, restou apenas essa foto, e esse papel amarelado, com palavras erradas escritas em letra infantil. As primeiras recordações, não as últimas. De outras, as vezes nada, ou outras fotos, outras cartas (algumas de verdade), livros, CDs, filmes, passagens, ingressos de shows e até um anel e uma pulseira.
Só pequenas bobagens, era uma vez, e isso é tudo o que nos resta afinal. É assim pra todos nós: a sua história também cabe no fundo de uma gaveta.

Baby 81

março 17, 2007

Pára tudo!!!

Tá ok que Wilco é minha banda do coração (e que Sky Blue Sky certamente vai estar na minha lista de melhores álbuns de 2007. Tudo bem que Son Volt também fez um disco ótimo e que o novo do Arcade Fire consegue ser tão bom quanto Funeral, disco de estréia dos canadenses.
Agora… alguém me explica, POR QUE os caras do Black Rebel Motorcycle Club tinham que fazer um disco TÃO bom assim?

Se Howl, trabalho anterior dos caras, não tinha relação com os primeiros discos da banda, Baby 81 é mais próximo de Howl do que dos demais. Com uma diferença: se por um lado o blues, o soul e o folk continuam presente em Baby 81, vêm acompanhados, na maior parte do tempo, de boas doses de… distorção.

Melhor que Howl? Bem, pode não ser (ou talvez eu só precise ainda de mais audições, deste e daquele, para poder afirmar isso). Mas, com certeza, é melhor do que muita coisa que você já ouviu ou ainda irá ouvir ao longo desse ano.
Mais um com lugar garantido na tal lista. =)

BAIXA LOGO, RAPAZ!

E que maravilha é All You Do Is Talk, ein?!

Exclusiva com Sérgio Dias

março 12, 2007

Por ocasião do show dos Mutantes no Rio, no começo de fevereiro, mandei um email para o Sérgio, apenas perguntando o que ele tinha achado da apresentação, para poder usar uma declaração dele lá nas news da Rock Press.
Para minha surpresa, o músico, na maior simpatia, respondeu com a frase “Me ligue na quinta, sim?”. Pronto, sem ter pensado nisso, eu havia conseguido uma entrevista com o guitarrista dos Mutantes.
Nessa de marcar, ligar, acabamos adiando a conversa por algum tempo. Por fim, com uma lista de perguntas enviadas pelo Ricardo Schott (e alguma coisa que fluiu durante o telefonema), entrevistei o cara (que, por acaso, foi super solícito) há umas duas semanas.

O resultado você confere nesse link (meu trecho favorito é o “tomar (LSD) sem guia é como ir pra lua sem saber manusear os aparelhos”, além, claro, da paixão com a qual o cara fala do Arnaldo).