Meu aniversário de cinco anos, 1989. Um desenho estranho do Pato Donald no bolo, a casa cheia, uma blusa azul de gola polo e alguns presentes – entre eles um conjunto de moletom com J&W escrito no peito (que eu, inocentemente, achei que tivesse sido feito especialmente pra mim) e um robô que virava carro, um Transformer clássico dos anos 80 que, depois de algum tempo, desapareceu misteriosamente.
A vez que saí para comprar picolé e fui atropelado por um fusquinha quase em frente ao portão da minha casa. Três pontos na cabeça, um pouco ao lado da minha orelha direita, que me renderam uma cicatriz bem pequena, mas chata, que tenho que explicar a cada vez que vou a algum cabeleireiro diferente.
Minha primeira suspensão, com nove anos, acho. Coisa boba. Acabei aprendendo que não se deveria xingar, na frente da diretora, o motorista do ônibus que não parou para você.
Começo de 1996, o acidente envolvendo um dos meus pés e o fundo do portão enferrujado. Treze pontos externos, três internos, duas anestesias, uma antitetânica e uma dolorida benzetacil. E claro, a viagem para Cabo Frio para – bendita água do mar! – ajudar a cicatrização.
Minha primeira paixão. A menina do agasalho verde-vagabundo, dos olhos tímidos e tristes, o rubor nas bochechas, delas e minhas. E claro, a primeira dor-de-cotovelo algumas semanas depois.
A primeira semana no Colégio Técnico da Universidade Rural, em março de 1999. Quase dez horas por dia, de segunda à sexta, cercado pelos mais diferentes tipos de pessoas, algumas das quais se tornariam praticamente irmãos ao longo dos três anos que se seguiriam. O maldito curso técnico em agropecuária, que não me serviu para absolutamente merda nenhuma.
A primeira vez – entre as raras vezes – que almocei no bandeijão da universidade.
Meu primeiro namoro. Ser apresentado à família, bater cartão às quartas, sábados e domingos e essas coisas. Quatro meses. E esse seria o recorde por muito tempo (definitivamente, com ou sem dor-de-cotovelo no final, eu não havia nascido para esse tipo de coisa).
As duas semanas numa fazenda de criação de ovelha em Petrópolis em… 2000? Ou seria começo de 2001? Não importa. O cheiro daqueles animais malditos (que não abandonavam a roupa nem depois da terceira lavagem). O som, o som… o maldito e grave “baaaah”, que, ainda hoje, parece parte da trilha sonora de um pesadelo.
Matar todas as aulas de Educação Artística do segundo ano (aproveitando o passe livre para me manter o mais distante possível do colégio durante as manhãs de sexta-feira) e, claro, aproveitar o velho cartão de dentista – ou a caligrafia de amigos que escreviam bilhetes como se fossem meus pais – para ficar longe das aulas de Educação Física (o que nem sempre adiantava, mas isso não impediu com que eu assistisse apenas três aulas durante todo tempo que passei naquele colégio).
A formatura em abril de 2002. Coro para gritar o apelido de cada um a medida em que íamos sendo chamados. Dum, Átila e Viper presentes. Ser o orador e avacalhar com o discurso. Um papel com os dizeres “Você está em débito com a secretaria. Compareça ao colégio para regularizar sua situação” entregue no lugar do diploma. E descobrir, no dia seguinte, que “regularizar sua situação” significava apagar cada “JW” – e não eram poucos – que havia deixado registrado pelas paredes do colégio.
“Te considero pra caramba!”, “Joguei bola com teu pai”, “Te vi pequeniniiiinho, rapaz!” e todas as frases do gênero, na bizarra Festa do Pescoço.
Os números do fanzine “O Corcova”, que editei com alguns amigos entre 2002 e 2003. O número 1 entre recém-formados, alunos faltosos, bêbados e desocupados em geral. As confusões com a Guarda Municipal de Paracambi por conta de algumas “sutis” críticas e ironias (cidade pequena, medíocre e de mentalidade feudal… sabe como é…).
Começar a faculdade e ver, uns dois meses depois, a minha cara estampada em uma matéria de jornal sobre a dificuldade do estudante da baixada para cursar uma graduação.
A garota paranóica.
A festa no meu aniversário de 19 anos. Uma banda de amigos tocando na garagem. Gente dos tempos do colégio, gente de todos os tempos. Quintal cheio. Churrasco. Olhar discretamente para menina baixinha e magrinha, então namorada de um amigo.
O casamento da minha irmã.
Minha primeira entrevista, ainda que para um trabalho da faculdade. Leoni. Entrar de graça no show e comer boa parte das empadinhas reservadas para a banda que se apresentaria depois.
E sobre shows… lembro do Rush, com direito a voltar de van até Queimados às 3 da manhã e esperar a carona do meu pai debaixo de chuva, na beira da Dutra. Ou do Deep Purple, de graça (e eu que não acreditava em sorteios por telefone!), com direito a vender o segundo bilhete para um cambista e dormir na rodoviária na volta. Ou do Placebo, com o Baratão tentando convencer adolescentes lésbicas de que era mais vantagem beijar alguém do nosso grupo de amigos e o Fabiano dando corda para o afetado “Oi, Eu sou o Hélio, de Niterói”, que adoraaaaaaava Placebo, em troca de cigarros. E teve também aquele no reveillon em Copacabana, 2003 para 2004, creio. Los Hermanos apresentando Ventura
Ahhh, Los Hermanos! Dia 2 de junho de 2006, em Volta Redonda, marcando o quarto dia de um namoro com aquela que havia sido um dia a namorada de um amigo, depois de um mês de conversa mole que incluía assuntos como óculos, crianças hiperativas, comida, comédias românticas e, claro, um bendito livro do Nick Hornby (que emprestado para ela em algum dia de maio, serviu de ponte para muito do que viria depois).
Em agosto de 2006, os dias de gravação do documentário “O Coração de Ipaum-Guaçu”. Ficar perdido na mata, não ter a opção de não fazer rapel, dormir em grutas e aprender o real significado da expressão “ficar na merda”.
Quebrar o tal recorde dos quatro meses.
Perder o controle em fevereiro.
As viagens de trem às terças-feiras, começando em março, que em abril acenariam para o possível recomeço de algo bom que havia se perdido.
A monografia. Não saber para onde o trabalho estava indo.
Uma bendita viagem-trabalho-passeio de três dias em Itatiaia (uma coroa maltratando seu carro, belas paisagens, vinho pra caramba, arvorismo e tirolesa etc.), sem a qual eu não conseguiria retomar o fôlego para terminar de redigir minha pesquisa, muito menos apresentá-la em tempo e conseguir ser aprovado com grau 10.
A voz de preocupação pelo telefone quando tive que viajar as pressas para uma entrevista que pode até não ter me rendido um emprego, mas que contribuiu para trazer de volta uma das poucas coisas que eu havia me importado em perder.
A sensação que foi ter em mãos, ontem, os dez convites para a minha formatura, que acontece na próxima segunda, dia seis. Ou de escolher a roupa que devo usar nesse dia (calça de brim? sapatos? camisa social? hmm…) e que me deixam com aparência de um cantor de tango (ou de um membro do Franz Ferdinand, talvez), enquanto pensava em tudo o que já passei até chegar até aqui.
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Com o passar dos anos, rostos, nomes, grandes causos e pequenas bobagens vão se acumulando. Acho que isso é o que chamam de “escrever sua história”. É curioso pensar em como, sem perceber, fui escrevendo a minha. Nas pessoas que chegaram e nas pessoas que foram embora. No quanto tudo já mudou ou no quanto tudo ainda vai mudar.
Fica a impressão de que estou perto, bem perto, de encerrar um grande capítulo para começar a escrever outro. E pode até ser que esse novo capítulo demore a engrenar, mas tenha a certeza: ainda há muito para ser escrito.